
Foi o frio que afiou os dentes ao sol baço do inverno, o frio que massaja a pele e esbanja incenso pelas cúpulas das catedrais. Existir é, por estes dias, viver fechado num cofre de gelo.
Reduzem-se as sensações ao calor do braseiro e o corpo, o corpo inteiro, mergulha e afunda-se no aglomerado de casebres sombrios e caminhos escusos e lamacentos.
Imerge o pensamento no alguidar de barro vidrado - meio de água morna assente na trempe de ferro - e lava-se a alma na passividade das nossas limitações.
A água encardida que escorre até aos pés nus escoa e some-se no fundo dos vales, numa corrida frenética que ninguém pode alcançar.
As sombras descem, então, por essa fugaz energia depositada no fundo do tempo, na dor física, na lança espetada no lado esquerdo - esse buraco negro a que chamam remorso.
Foto de João Cabral no Pexels