
Quando o vento soprar de sul e alisar as dunas procuro um lugar onde pousar a cabeça e espero que a sombra desfocada da noite desça da folha ao chão. Subindo ao topo do abismo procuro os ninhos das águias nas falésias escarpadas onde as unhas rasgam pedra dura e cavam sepulturas onde o vento cego não entra. A morte tem aí um sentido único que é o das alturas: todos procuramos um lugar onde nos esconder numa viagem de sucessivas desaparições onde o manto das sombras não clarifica o riso dos vivos. Atrás do espelho que sempre nos espelhou a vida está a lâmina pontiaguda com que se cortam os pulsos; viver é este permanente contacto com a palidez da morte. Suspensas estão as pontes, os caminhos silenciosos, os rostos misteriosos, as palavras que nos arrepiam os cabelos e incham os toldos dos mastros com a fúria dos ventos. Outro tempo virá mais luminoso e, finalmente, poderei ser eu a decidir a hora da rapina e se quero morrer virada para norte.
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